07 janeiro 2008

A paixão

Foi naquele Verão, quando ainda éramos pequenos, que me apaixonei por ti pela primeira vez. O teu longo cabelo fresco, ornamentado pelas flores que fui apanhando para ti pelo caminho, pairava levemente animado pelos teus passos leves e ligeiros por entre as pedras e os pinheiros da mata. Nessa noite amámo-nos entre as rochas do pontão com o desespero de dois condenados à morte, ao ritmo do rugido feroz do mar quebrando-se à nossa volta.

"Faz-me rir..." pediste-me tu certa tarde numa esplanada da baixa, por entre uma chávena de café fumegante e um duchaise. O frio queimava-me levemente o rosto, tu apertavas-te mais ao casaco. Nesse dia não eras aquela menina endiabrada a que me acostumei. Estavas menos azul, quase como um adulto.

Já passei horas a ver-te fumar languidamente, envolvidos pela suave penumbra daquele bar onde íamos no bairro alto. Mergulhado nos teus trágicos olhos negros, como que enfeitiçado, o tempo escorria por nós demoradamente entregues cada um à sua obcessão. A tua era a tua solidão, a minha eras tu.

E ontem vi que a luz da tua janela ainda estava acesa, já a noite se demorava. Na rua o silêncio era ensurdecedor e a neblina sufocante. Ainda senti o impulso de te bater à porta mas recuei. Não quis quebrar o feitiço da noite com o ruído das nossas vozes.




Dedicado a uma assídua leitora em particular,
para ti pequena Yin.

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