28 agosto 2007

O primeiro desejo

Recordas-te de quando toda a tua percepção do mundo era governada pela fantasia e pelo sonho? De quando te conseguias deslumbrar sempre mais e mais à medida que um maravilhoso mundo novo se ia revelando perante os teus olhos ingénuos?

Só nesse tempo podia a natureza de todas as coisas ser perfeitamente linear. O sistema confundia-se com o objecto e nunca podia ser simultaneamente bom e mau. Só então era possível experimentar no real as ingénuas noções de pureza e perfeição, comprovadas a cada momento na plenitude de tudo aquilo que era bom.

Ao cair da tarde passeio pelo praia à procura de conchas para fazer coroas de princesas e cintos para gigantes.

O primeiro desejo é a ingenuidade do tempo de criança.

Devolve-me um coração puro e imaculado, pleno de capacidade para amar. Devolve-me as asas de anjo azul para que eu possa uma vez mais atravessar planícies, como naquelas floridas manhãs primaveris. Nada mais somos que memórias de travessia e vagas promessas por cumprir. Reconcilia-me com a memória da vertigem, a memória da queda e a memória do grito…

Mas que será de nós então? Que será de nós quando nos virmos uma vez mais despidos do poder emancipador da (des)ilusão? Que será de nós quando voltarmos a caminhar conduzidos por estados ideais artificiais, confiantes na nossa sublíme capacidade de julgar – separando – entre aquilo que é bom e aquilo que é mau?

Ontem, fiz um cintilante castelo de cinco torres na areia que a maré cheia lentamente engoliu.

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