24 abril 2007

A busca

Ao entardecer, busco o aconchego de uma esplanada em qualquer café da baixa e também eu entardeço com a cidade, oculto na moldura do seu pulsar, envolvido na sua suave mistura de ruídos e perfumes. A azáfama das pessoas que passam, que correm, que compram, que se encontram, que se apartam, sugere a natureza da face social do sistema. Sugere ainda que fazes parte de um todo maior, um papel utilitário na grande representação colectiva, até que por fim, um dia, o pano desça.

Talvez seja por isso que algumas pessoas criam colónias de formigas, com os seus intrincados sistemas de túneis no interior de aquários (porventura mais apropriados a peixes). Cada colónia não é mais que um todo organizado que proíbe a iniciativa individual, totalmente orientado para um único objectivo colectivo: a subsistência da mesma.

E o sujeito deleita-se com a inebriante sensação de poder quartar a vida onde ela não existiria. Mas o nervoso miudinho que sente no ventre de cada vez que contempla a sua obra vem da recalcada percepção de que nele está também o poder de a destruir de um só golpe.

Estará este sujeito, inserido dentro da sua própria obra, imitando nela a sua própria existência, o seu papel utilitário, frustrado no seu desajustamento ou realizado numa confortável acomodação? Estará este sujeito, transcendente à sua própria obra, separado da sua própria existência, feito deus em si, desapontado com o real que nela ilustra ou alienado dessa perspectiva do real? Em qualquer dos casos o nervoso miudinho é sempre ânsia do impulso constante da destruição de si mesmo.

É por isso que eu prefiro a incessante busca. A busca não contrói representações temporárias de si. A busca humaniza-te. A busca leva-te sempre mais além do que o teu sonho julgaria adequado.

Atravesso-te doce Tejo. Atravesso depois montes de terra vermelha, testemunhas eternas de antigas batalhas à (vã) glória de nomes há muito esquecidos. Ao longe, vislumbro por fim o oceano...

Gosto de observar e escutar o mar. Mas será que há alguém que possa dizer que de facto compreende o mar eterno? Certamente que não. Do que eu gosto mesmo, é de ver e ouvir o mar directamente através dos sentidos, lá no mais profundo da minha alma, onde a própria compreensão já não tem sentido.

O mar consagra-te, pois se perante a sua vastidão e perenidade nada representas, qualquer uma das suas gotas de água viva te pertence quando a ele te entregas. O mar liberta-te. Nele podes escapar à escravidão e experimentar-te em toda a tua ilinearidade. Foi essa a água que um dia te fez e a ela também um dia retornarás. E cada amanhecer que separa esses dois momentos será para ti uma oportunidade de nela renasceres, retemperada.

A busca leva-te sempre mais além...

3 comentários:

Anónimo disse...

Aprecio muito o conceito de ilineriedade: Fora da linha mas em linha com o mundo e com o Universo, na busca do conhecimento intrínseco, interior, no centro das interrelações quer entre os homens, quer entre o homem e o que o rodeia: apenas as coisas, os objectos, as pessoas ou mesmo os conceitos e todas as relações possíveis entre estes (ou todos eles).

Nota: "a coisa, a ideia da coisa, a coisa em si" e o que dela fazemos ideia.

Gui

Unknown disse...

Meu Caro,

A Busca do nosso Caminho, da Verdade, as angustias da e na vivência de cada um são os elementos que nos fazem ser Pessoas, amantes de Deus, da Justiça, da Solidariedade.

Segue em frente nestes Percursos Individuais. Não te esqueças dos Outros.

Joffre

Anónimo disse...

A busca, fora da ontologia dramatúrgica da vida, da linha do fora e não fora da linha: linhas de fuga. O único aquário real está dentro das nossas cabeças, uma carapaça que simultaneamente nos protege e limita. A vacuicidade burocratizada desta humanidade é o seu definhamento, precisamos de mais arquitectos do mar, do fora infinito e do sonho esquecido.

Abraços,
P